Vigilante
Proposta de disciplinar ação de vigilantes ressalta falhas do poder público na área de segurança, apesar de avanços registrados nos últimos anos Há um componente jornalístico -o da coincidência irônica- na notícia de que o próprio ex-secretário da Segurança Pública do Estado Saulo de Castro Abreu Filho teve sua casa assaltada na noite de segunda-feira. Atual titular da pasta estadual dos Transportes, ele foi mantido como refém por três horas, ao lado da mulher, da filha e de uma amiga. A ironia do acontecimento -se cabe o termo diante de uma situação dramática e dolorosa- não se resume, entretanto, ao fato de ter sido um secretário a vítima. O que deve ser assinalado, sem o espírito destrutivo e fácil que a alguns inspira o infortúnio de autoridades, são as declarações do delegado-geral da Polícia Civil, Marcos Carneiro Lima. “Somente a polícia”, disse ele, “não consegue resolver problema dessa envergadura”. A declaração, em tudo infeliz, vem no momento em que os Estados de São Paulo e Rio divulgam a redução de seus índices de violência, em especial da taxa de homicídios -processo liderado pelos paulistas na última década. Desde 1999, a queda dos assassinatos em São Paulo ultrapassou 70%. Em 2010, foram registrados 10,48 homicídios por grupo de 100 mil habitantes. A cifra representa menos da metade da média nacional (24,5) e está muito próxima do limiar considerado aceitável internacionalmente -de 10 homicídios por 100 mil pessoas. São avanços, sem dúvida, auspiciosos, mas que não bastam para debelar a chamada “sensação de insegurança” do cotidiano dos cidadãos. Arrastões em condomínios, assaltos em shoppings e roubos a bancos à luz do dia, entre outros delitos, continuam a fazer parte do dia a dia de São Paulo e das grandes cidades do país.
Nesse contexto, quem dispõe de meios para tanto recorre a guardas particulares. Há tempos que vigilantes de rua, com suas guaritas, motocicletas, automóveis ou simples cadeiras sobre as calçadas, tornaram-se personagens comuns na paisagem urbana. É preciso regulamentá-los e conectá-los à polícia, diz o delegado paulista, que parece ter visto no episódio uma oportunidade para terceirizar a ampliação da rede “pública” de vigilância. Conceitualmente, trata-se de uma impotência sobreposta a outra. Incapaz de garantir a segurança aos cidadãos, o Estado convive com a proliferação de serviços privados; num segundo momento, desperta e dispõe-se a oficializar o que não deveria existir, caso os impostos pagos pelos contribuintes tivessem sido usados com a necessária eficiência. Diante do fato consumado, no entanto, menos mal que se procure disciplinar a atividade dos vigilantes autônomos, cadastrando-os e definindo os parâmetros de sua atuação. Mesmo porque em alguns casos são eles uma fonte de insegurança para o cidadão, que se sente constrangido a contratá-los com receio de que se voltem contra seu patrimônio.
Fonte: Folha de São Paulo