Em 2005, a população derrubou proibição do comércio de armas no País, mas resultado não seria impedimento para nova consulta
Eduardo Bresciani e Rosa Costa / BRASÍLIA – O Estado de S.Paulo
Para tentar mais uma vez dar uma resposta a um fato que chocou o País, o Senado vai discutir agora a possibilidade de fazer um novo referendo sobre a venda de armas. A proposta será levada pelo presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), aos líderes partidários, na reunião de hoje, como reação ao massacre na Escola Tasso da Silveira, no Rio. Ontem, o governo federal anunciou que vai adiantar o início da Campanha de Desarmamento para 6 de maio.
Em 2005, a consulta popular levou à derrubada de um artigo do Estatuto do Desarmamento que proibia o comércio de armas no País. Para Sarney, o resultado contrário ao desarmamento não é um impeditivo para que se realize nova consulta popular. “O que não se deve é mudar do bem para o mal e do mal para o pior. Nós estamos mudando do mal para o bem, de maneira que acho que a população será sensível.”
Referendos são feitos para que a população ratifique ou rejeite lei aprovada pelo Congresso.
Portanto, Câmara e Senado teriam de votar nova legislação proibindo a venda de armas, antes de levar o tema à consulta popular. A lei que trata dos referendos não menciona prazos para a realização de consultas populares semelhantes às já realizadas.
Apoio. O líder do PSDB, senador Alvaro Dias (PR), foi um dos que simpatizaram com a ideia levantada por Sarney. “O referendo estimula a participação do povo nas decisões, então é positivo. Em democracias avançadas, isso é uma rotina. Então não vejo mal em fazer uma nova consulta à população.”
Já o líder do governo no Senado, Romero Jucá (RR), foi mais cauteloso. Ele defendeu que nova consulta popular sobre a venda de armas seja feita apenas após um grande debate na sociedade. “Sou a favor do desarmamento, mas deve-se fazer amplo debate. Caso contrário, corremos o risco de fazer isso isoladamente e sermos derrotados mais uma vez.”
Indústria de armas. O senador gaúcho Paulo Paim (PT) classificou a proposta como “interessante”, mas sugeriu outro caminho para tentar resolver o tema. Para ele, seria mais útil o governo chamar as indústrias de armas para negociar. “Se nós fizéssemos um acerto entre os fabricantes e o governo – de que as armas seriam vendidas apenas para o Estado -, acho que resolveríamos essa questão”, disse.
Paim diz que as indústrias topariam a negociação. “Conversei com representantes das empresas no fim de semana e eles concordam com a ideia. Os próprios representantes da empresa me disseram que o que é vendido para o cidadão comum é pouco no negócio deles.” O Rio Grande do Sul, Estado de Paim, foi onde o desarmamento sofreu a maior derrota no referendo realizado em 2005.
Campanha. Já o governo federal vai antecipar para maio o lançamento da nova Campanha de Desarmamento. A data prevista para o início da campanha é 6 de maio, um mês após o assassinato dos 12 estudantes na Escola Tasso da Silveira. A previsão inicial era de que a nova campanha só tivesse início em junho.
Uma das ideias do governo para a nova campanha é pagar também pelas munições que forem espontaneamente entregues. Na campanha passada, feita entre dezembro de 2008 e dezembro de 2009, apenas os cidadãos que entregavam as armas de fogo eram indenizados.
Todos os detalhes da campanha, incluindo os valores que serão pagos, serão discutidos por um conselho formado por integrantes do governo e de representantes da sociedade civil.
“Ficou absolutamente caracterizado que, quando essas campanhas são realizadas, você tem uma redução muito forte na mortalidade, de mais de 50% no Brasil. Tínhamos previsto realizar uma campanha em junho mas, diante dessa tragédia, decidimos sugerir a antecipação. Essas campanhas não são feitas sozinhas, são feitas em conjunto com a sociedade civil”, disse o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, após reunião com integrantes das entidades Viva Rio, Sou da Paz, Desarma Brasil e Rio de Paz.
EM DEBATE
63,9%
da população votou para que a venda de armas para o cidadão continuasse a acontecer, em 2005
86,8%
dos gaúchos votaram contra a proibição. Ela não teve maioria em nenhum Estado
1.783
armas foram recolhidas pela GCM de São Paulo desde 2009
15 de abril
é a data-limite para entrega das armas à GCM nas escolas municipais do M”Boi Mirim
REAÇÕES
Dom Dimas Lara Barbosa
Secretário geral da CNBB
“Nós nos posicionamos pelo controle de armas em 2005 e não mudamos de opinião. É impressionante como alguém desequilibrado consegue uma arma fácil hoje em dia. O acontecimento do Rio na semana passada evidencia que é preciso mais controle das armas”
Luís Flávio D”Urso
Presidente OAB/SP
“O debate sobre o porte de armas é sempre útil e deve existir sempre. Mas um novo plebiscito envolveria o investimento de muito dinheiro, recursos que poderiam ser usados em segurança pública. Por isso vejo com ressalvas um novo plebiscito, especialmente neste momento. E o nosso sistema político é o representativo e não pode se fazer consulta popular a todo momento e para todas as coisas”
Alice Ribeiro
Coordenadora do Instituto Sou da Paz
“Somos a favor do desarmamento, mas perdemos em 2005 e respeitamos a lei. É uma lei excelente. Antes de novo plebiscito, deveria se implementar totalmente o estatuto, como o ponto que prevê agilidade na destruição de armas.”
Bené Barbosa
Presidente do Movimento Viva Brasil
“É uma cortina de fumaça do Congresso, porque nada foi feito pela segurança. Estão aproveitando a tragédia para dar uma resposta vazia. E o caso do Rio é um problema de saúde pública e não de segurança
D. Odilo Scherer
Arcebispo de SP
“Sou plenamente favorável a uma revisão da legislação sobre porte de armas. Ainda não tenho ideia clara sobre o melhor caminho a ser percorrido, se é um plebiscito ou projetos no Congresso ou de iniciativa popular”
Mais projetos.
O conselho formado para a Campanha de Desarmamento também deve propor novos projetos de lei sobre o tema. A primeira reunião está marcada para segunda-feira.
PONTOS-CHAVE
Lei
Em 22 de dezembro de 2003, o presidente Lula assinou o Estatuto do Desarmamento, que definiu regras mais rígidas sobre o controle, posse, porte e venda de armas de fogo no País.
Campanha
Com a aprovação, começou a campanha de recolhimento de armas sem registro. Os proprietários ganham de R$ 100 a R$ 200 por unidade. Até 2010, 500 mil foram entregues e destruídas.
Porte
Hoje só podem andar armados os responsáveis pela garantia da segurança pública, integrantes das Forças Armadas, agentes de inteligência e funcionários de empresas segurança privada.
Cenário
Segundo um levantamento do Ministério da Justiça, existem hoje cerca de 16 milhões de armas em circulação no Brasil. Dessas, 7,6 milhões (ou 47,6%) estão na ilegalidade.
Senadores Relacionados
•Alvaro Dias
•José Sarney
•Paulo Paim
•Romero Jucá
Órgãos Relacionados
•Congresso Nacional
•Senado Federal