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» Insegurança aterroriza população de São Gonçalo do Amarante

“Pensei que fosse passar toda a minha vida aqui. Hoje, se vier dormir, amanheço morto”. O desabafo é do agropecuarista Miguel Noronha, de 67 anos, que se viu obrigado a deixar a sua propriedade em São Gonçalo do Amarante, Região Metropolitana, após constantes assaltos. Quantas vezes é necessário ser vítima de um roubo para que o fato chame atenção da polícia? Para Miguel Noronha, trinta e seis vezes não foram suficientes. A recorrência dos crimes indigna o agropecuarista e reflete a insegurança constatada na cidade. Hoje, diante da ineficiência da investigação e patrulhamento, o homem já deixou de registrar boletins de ocorrências. A sua “coleção” de 28 BOs parece não surtir efeito.

A propriedade representava o sonho de Miguel em deixar a cidade e viver na tranquilidade do isolamento. Há 43 anos, quando deixou a casa em Natal para morar em São Gonçalo, o agropecuarista viu tornar realidade o objetivo e passou a criar gado e processar frutas. O ano de 2011, no entanto, representou a derrocada dos objetivos e a obrigação de se cercar de paredes altas para se proteger. Após arrastões, assaltos e furtos, mudou-se para um prédio no bairro de Petrópolis, zona Leste de Natal.

Os boletins de ocorrência cobrem a mesa da sala de jantar e atormentam o pensamento de Miguel. A casa hoje está abandonada depois de diversas tentativas fracassadas de lutar contra a crescente onda de violência. Ontem, a equipe de reportagem da TRIBUNA DO NORTE esteve no local. A saída mais recente escolhida pelo proprietário foi eletrificar grades, portões, janelas e trincos de porta de forma artesanal.

De acordo com o depoimento de Miguel Noronha, as ações tiveram início em março de 2011, quando a família foi vítima de um arrastão. “Quatro homens renderam o caseiro e nos trancaram no quarto. Levaram tudo o que podiam. Televisões, computadores, joias”, relata Miguel.

Após o arrastão, a família decidiu se mudar para Natal, deixando seguranças contratados para vigiar o local. “Nenhum vigia ficava mais de dois dias, porque via que ação dos bandidos era intensa e temia pela vida”. Depois do arrastão em março, a casa foi invadida outras 35 vezes, tendo sido 28 delas registradas na delegacia da cidade.

Em cada oportunidade, os bandidos levam algo que lhes interesse. Ultimamente, com a escassez de “produtos”, todo o tipo de cobre ou alumínio encontrados em abajures, por exemplo, têm sumido da casa. “Eles trocam por droga aqui perto mesmo, em uma boca de fumo. Já disse até o nome e o endereço deles, mas a polícia prefere não escutar”.

Andar pela residência dá a impressão de 10 anos de abandono. Portas quebradas, grades arrancadas, paredes destruídas. Piscina seca e suja, ferros retorcidos e a poeira cobre o local. O pouco que sobrou está protegido por barras ou arames eletrificados. “É a única coisa que posso fazer”, lamenta Miguel Noronha.

Ele reclama da ineficiência da Polícia Civil e da ausência da Polícia Militar. “Não vou mais à delegacia porque sou mal recebido e não resulta em nada. O delegado parece que tem má vontade. Qualquer investigaçãozinha já teria dado resultado aqui”, protesta.

Até mesmo a visita da equipe de reportagem é cercada por receio, dada a ousadia dos ladrões em agir a qualquer hora do dia.

Crimes se espalham pela cidade

A realidade de insegurança constatada na propriedade de Miguel Noronha não é exclusividade dele. Uma rápida caminhada pela vizinhança e por outras localidades da cidade é suficiente para perceber que o crime está espalhado por São Gonçalo do Amarante. Mercadinhos, lojas de refrigeração e outras casas já foram invadidas e assaltadas. A grande atividade relacionada ao tráfico de drogas também já deixou muitas pessoas assassinadas. Em 2011, foram 48 homicídios, dos quais apenas quatro vítimas não tinham antecedentes criminais que as ligassem ao tráfico – de acordo com dados da delegacia de Polícia Civil da cidade.

A ousadia já deixou a comerciante Alba Barbosa, 44 anos, no prejuízo. Proprietária de um mercadinho na região do Regomoleiro, ela viu a parede do seu estabelecimento ser quebrada para a realização de um roubo. “Onde vamos chegar com isso? Eles quebraram a parede para invadir e disso eu não tenho como me proteger”, exclamou a comerciante.

O negócio agora só funciona através de uma grade, de onde os produtos são comercializados. A cozinheira Brígida Conceição, 50 anos, foi vítima de dois assaltos e coleciona histórias de parentes e vizinhos na mesma situação. Ela chama atenção para uma conseqüência do índice de violência. “Para se ter uma ideia, tem certas paradas aqui que ônibus e alternativos não param, porque sabem que serão assaltados”.

Próximo a propriedade de Miguel Noronha, outras vítimas de roubos são encontradas. Em 2011, todos os produtos de trabalho do marido da dona de casa Josilene Felix Souza, 29 anos, foram roubados. O homem trabalha com consertos de geladeira e, enquanto esteve fora de casa para assistir a uma apresentação na cidade, teve os equipamentos levados. O casal, que tem cinco filhos e depende da renda do marido, agora se vira para sobreviver. “A sorte é que o meu marido conhece muita gente no mesmo ramo e outras pessoas emprestaram equipamentos para ele continuar trabalhando”, disse Josilene.

Polícia planeja operação para a região

A Polícia Militar está planejando a realização de uma operação na região de São Gonçalo do Amarante. O assunto ainda está na mesa de reuniões do Comando da PM, mas pode ocorrer ainda em janeiro. A força-tarefa para o combate ao tráfico de drogas e ao roubo de veículos se transformou em preocupação dado os recorrentes casos constatados. A informação foi repassada ontem pelo comandante-geral do policiamento metropolitano, coronel Wellington Alves.

O planejamento da operação ainda não foi finalizado e deve ser definido em reuniões futuras junto ao comando-geral. Outros detalhes não foram repassados.

Para o coronel Alves, o comando metropolitano tem correspondido sempre que a Companhia da Polícia Militar, em São Gonçalo, pede por reforço. “Correspondemos sempre. Além disso, forças como o Batalhão de choque, a Rocam e a Cavalaria agem em toda a região metropolitana e prestam esse reforço”, informou.

Prefeitura quer batalhão e nova delegacia

O prefeito de São Gonçalo do Amarante, Jaime Calado, luta pela instalação de um batalhão da Polícia Militar e uma nova delegacia da Polícia Civil na cidade. Segundo ele, contatos já foram realizados junto a Secretaria de Segurança do Estado. “Já falei com o comando da PM e com o secretário. Informei que já temos um terreno para a construção de um batalhão e de uma nova delegacia. O reforço é necessário”, afirmou em entrevista na tarde de ontem.

O terreno que fica localizado a 200 metros da prefeitura e a cerca de dois quilômetros do novo aeroporto que será construído na cidade. “As autoridades de segurança consideram pertinente essa discussão sobre o reforço em São Gonçalo. Garantiram que estão lutando por isso junto à governadora Rosalba Ciarlini”, reforçou Calado.

Para o prefeito, apesar das dificuldades enfrentadas pela segurança pública nacionalmente, São Gonçalo tem melhorado nesse ponto nos últimos três anos. “A segurança é um problema nacional, que se agrava na periferia. Mas acredito que a segurança tem melhorado nos últimos três anos, com trabalhos integrados com a Polícia Militar”.

Bate-papo

»Delegado Adson Maia, titular da Delegacia de São Gonçalo do Amarante

O senhor conhece o caso de Miguel Noronha, que registrou quase trinta boletins de ocorrência sobre casos de assaltos na sua propriedade em São Gonçalo do Amarante?

Esse caso já foi resolvido. Prendemos assaltantes em flagrante após a investigação. Se eles foram soltos depois, isso é um problema com a Justiça, não com o delegado. O nosso papel foi feito. A granja não tem segurança nenhuma e por isso os casos são recorrentes.

A insegurança é uma realidade em São Gonçalo?

São Gonçalo do Amarante é uma cidade muito perigosa e que tem muitos criminosos. Mas as estatísticas mostram que não é tão diferente de locais periféricos ou outras cidades da Grande Natal, como Parnamirim. O problema é que a criminalidade vem aumentando e a nossa estrutura é a mesma há 10 anos. Diria até que diminuiu.

A estrutura diminuiu após o aumento da demanda?

Já chegamos a ter dois delegados aqui, hoje eu estou só. Para atender a nossa demanda, precisamos de uma estrutura dobrada. E isso já está sendo encaminhado. Faço parte do Conselho Superior da Polícia e já planejamos uma segunda delegacia em São Gonçalo.

A criação da delegacia resolveria os problemas de insegurança da cidade?

Não é só a delegacia, mas toda a estrutura envolvida. Tem que ter pessoal para ocupar a delegacia e não dividir o existente. São Gonçalo tem uma extensa área rural que acaba abrigando bandidos de todas as regiões do Estado.

Qual o papel da Polícia Militar na questão da insegurança?

A Polícia Militar tem um efetivo reduzido aqui e isso com certeza interfere na quantidade de crimes registrados. Com a chegado do aeroporto, acredito que a companhia da PM deva se transformar em um batalhão, com reforço de efetivo.

Fonte: Tribuna do Norte RN



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