A respeito de mais uma tentativa de flexibilizar e reduzir direitos trabalhistas consagrados na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), o advogado trabalhista e membro do corpo técnico do DIAP, Hélio Gherardi, provocado pela assessoria parlamentar da entidade, elaborou parecer técnico acerca da nova investida contra os assalariados na Câmara.
Trata-se do PL 951/2011, do deputado Júlio Delgado (PSB-MG), que tramita na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, sob a relatoria do deputado Jorge Corte Real (PTB-PE), que apresentou ao projeto parecer favorável com substitutivo.
Leia parecer do advogado sindical, professor de Direito do Trabalho e de Direito Processual do Trabalho além de assessor de diretoria de várias entidades sindicais.
SIMPLES TRABALHISTA
Projeto de Lei 951/2011
PARECER
Em todas as tentativas de anular os direitos dos trabalhadores contidos na Consolidação das Leis do Trabalho após a promulgação da Carta de 1988, nenhuma é tão funesta, abusiva, inconstitucional, repreensível, antidemocrática e ultrajante quanto o Projeto de Lei 951/2011, que pretende instituir o “Simples Trabalhista” para os empreendedores individuais, as microempresas e as empresas de pequeno porte assinaladas no artigo 3º, da Lei Complementar n. 123/2006, que instituiu o Estatuto Nacional da Micorempresa e da Empresa de Pequeno Porte.
Inicialmente há que se esclarecer que a Constituição Federal de 1988, trouxe alterações básicas e essenciais ao povo brasileiro, notadamente através das denominadas cláusulas pétreas, estabelecendo o princípio da cidadania (inciso II, do artigo 1°), o princípio da dignidade da pessoa humana (inciso III, do artigo 1°), o princípio dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (inciso IV, do artigo 1°).
O artigo 3° da Carta Magna preceitua o princípio da proteção ao hipossuficiente, assinalando serem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade justa, livre e solidária (inciso I), erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais (inciso III) e promover o bem de todos sem preconceitos e discriminação (inciso IV).
O artigo 5°, “caput” estabelece o princípio da isonomia, não podendo haver distinções
Ocorre, porém que, o projeto em comento viola frontalmente todos os princípios fundamentais elencados, além de tentar neutralizar os preceitos contidos na Consolidação das Leis do Trabalho.
Sob a escusa de objetivar a promoção e geração de emprego formalizado no âmbito das microempresas e empresas de pequeno porte, propõe o projeto em questão aniquilar os direitos dos trabalhadores conquistados desde o período escravagista, pretendendo que o trabalhador fique aniquilado ante a vontade do dono da empresa, uma vez que entende ser indispensável a negociação direta entre empregado/empregador, quando é público e notório que, para haver um equilíbrio entre negociadores, as partes tem que estar niveladas por igual, o que é impossível entre a força do poder econômico e a necessidade do emprego.
Assim o artigo 2º do projeto em comento, em seu inciso I, assinala que acordos ou convenções coletivas de trabalho “específicos” poderão: a) fixar regime especial de piso salarial; b) dispensar as horas extras através da criação de um “Banco de Horas Anual”; c) estabelecer a previsão para a participação nos lucros ou resultados e d) permitir o trabalho em domingos e feriados, sem prejuízo da compensação através do “Banco de Horas Anual”.
Ressalte-se que logo de início objetiva a pretensão aniquilar as disposições contidas nos artigos 611 e seguintes da CLT, uma vez que a negociação coletiva deve, obrigatoriamente, ser debatida e concretizada ou não através do respectivo sindicato profissional, federação e/ou confederação, com uma determinada empresa e não através do trabalhador individualmente, estabelecendo os referidos artigos, inclusive, a necessidade de realização de assembleia e os requisitos para registro do acordo junto à Superintendência local, do Ministério do Trabalho.
Por outro lado, não pode ser fixado regime especial de piso salarial, sob pena de ferir-se o princípio da isonomia insculpido no artigo 5º, “caput” da Carta Magna; assim como as preceituações emanadas dos incisos V e VI, do artigo 7º, da Constituição Federal, pois o piso salarial é proporcional à extensão e complexidade do trabalho e não ao tamanho da empresa (V), sendo unicamente possível a redução salarial através de acordo coletivo com o sindicato e não individual (VI).
Dispensar as horas extras através da criação de um “Banco de Horas” controlado pelo empregador é contrariar frontalmente as disposições contidas nos artigos 57 e seguintes da CLT que disciplinam a jornada de trabalho e o pagamento de horas extras, sendo a única exceção (57) concernente estritamente a peculariedades profissionais e não patronais.
Ressalve-se, inclusive, que os denominados “Bancos de Horas” tem trazido inúmeros transtornos e rusgas judiciais onde há a necessidade de perícias, pois não conseguem, as empresas, fazer o controle correto, sendo sempre o trabalhador credor de horas que somente consegue receber no poder judiciário.
Criar um “Banco de Horas” anual é, simplesmente, o retorno à cangalha, pretendendo que o trabalhador fique à disposição do empregador o tempo que este entender, sem o recebimento posterior de seus direitos.
A “negociação direta” entre o empregado e o empregador para o recebimento da participação dos lucros ou resultados é inviabilizar totalmente o direito do obreiro, pois em qualquer negociação toda a empresa diz estar sempre no vermelho, não explicando como consegue subsistir ante tantas situações penosas em que se encontra, achando que o sindicato ira se penalizar pela situação que descreve, não havendo, desta forma, como ocorrer o equilíbrio entre quem paga e quem recebe para uma negociação justa e real.
A permissão do trabalho aos domingos e feriados, com a inclusão de tal prestação no denominado “Banco de Horas Anual” vai na contramão da história, pois os trabalhadores obtiveram, através da Lei 11.603/2007, exatamente a proibição da execução de serviços em domingos e feriados, exceto se houver lei municipal específica autorizando, objetivando a alínea em questão, aniquilar os direitos conquistados pelos obreiros.
O inciso II, do citado artigo 2º, pretende anular outros direitos obtidos através da luta de classes em nosso País, pois assevera que o acordo firmado entre empregado e empregador, poderá: a) fixar horário normal de trabalho durante o aviso prévio; b) prever o pagamento do 13º salário em até 6 (seis) parcelas e c) fraccionar as férias em 3 (três) períodos.
A alínea “a” contraria as disposições contidas nos artigos 487 e seguintes da CLT, alterado pelas preceituações emanadas da Lei 12.506 de 11 de outubro de 2011, que regulamentou o inciso XXI, do artigo 7º, da Constituição Federal, não podendo ser fixado em jornada normal o período integral do aviso prévio.
A alínea “b” contraria as disposições contidas na Lei 4.090/1962; enquanto a alínea “c” viola o assinalado no § 1°, do artigo 139 da CLT., que limita o fracionamento das férias em dois períodos.
Com referência ao inciso III, do artigo 2°, o mesmo estabelece que o empreendedor individual, a microempresa e a empresa de pequeno porte serão beneficiários da assistência judiciária gratuita, evidentemente, desde que cumpram os requisitos legais comprobatórios estabelecidos na Lei 1.060/50.
O inciso IV, do referido artigo 2°, contraria os mais comezinhos princípios do judiciário trabalhista, uma vez que o § 1°, do artigo 843 da CLT preceitua que ao empregador é facultado; desde que não compareça um dos sócios; fazer-se substituir pelo gerente, ou qualquer outro preposto que tenha conhecimento do fato, ou seja, desde que, efetivamente trabalhe na empresa; enquanto o inciso em questão faculta ao empreendedor individual, à microempresa e à empresa de pequeno porte fazer-se substituir ou representar perante a Justiça do Trabalho por terceiros, ainda que não possuam vínculo trabalhista ou societário.
O absurdo legal é tão gritante que qualquer pessoa, segundo o projeto, pode substituir qualquer empresa, desde que por ela designada. Ora, quem não trabalha no mesmo local, como pode saber dos fatos?
O inciso V pretende a redução do depósito prévio para a interposição de recursos perante a Justiça do Trabalho, objetivando, exatamente impedir a própria razão de ser do depósito prévio, para garantia do juízo, pretendendo reduzir para 75% (setenta e cinco por cento) o depósito para o empreendedor individual e para a microempresa e para 50% (cinquenta por cento) para a empresa de pequeno porte.
Estabelece o inciso VI a solução dos conflitos individuais nos termos da Lei 9.307/1996, através da arbitragem, quando o próprio C. STF, através das ADIs 2139 e 2160 declarou inconstitucional o artigo 625 da CLT que institui as Comissões de Conciliação Prévia, ou seja, não só objetiva um retorocesso legal, como contraria o entendimento da mais alta Corte do País.
O inciso VII, pretende permitir a celebração de contrato de trabalho por prazo determinado, nos termos da Lei 9.601/1998, quando a mesma estabelece o contrato por prazo determinado, para o mínimo de 50 (cinquenta) trabalhadores; além de anular expressamente os permissivos legais do § 2°, do artigo 443 da CLT que disciplina:
“2º. O contrato por prazo determinado só será válido em se tratando:
a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo;
b) de atividades empresariais de caráter transitório;
c) de contrato de experiência.”
Verifica-se, pois, que a pretensão do projeto é desvirtuar totalmente a própria razão de ser do contrato por prazo determinado.
O artigo 3°, objetiva desvirtuar a própria razão de ser do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, uma vez que assinala a possibilidade de redução dos depósitos fundiários, com base na Lei n° 9.601/1998, que prevê a redução nos contratos de trabalho por prazo determinado, que, combinado com a pretensão anterior, reduziria os depósitos fundiários para todos os empregados das empresas em questão.
Ressalva o referido artigo que tais disposições são aplica´veis desde que o contratado não possua conta fundiária, ou na qual não tenha havido depósitos há mais de dois anos.
Ressalta ainda o inciso II, que a redução dos depósitos do FGTS deve ser “aceita” mediante acordo individual, novamente escoimando o representante sindical, limitando o § 1° a aplicação ao prazo de 5 (cinco) anos, sendo o percentual aumentado em 2 % (dois por cento) ao ano até o limite legal de 8% (oito por cento).
Nova violação constitucional objetiva o artigo 4°, ao pretender que os acordos ou convenções de trabalho específicos se sobrepõem a qualquer outro de caráter geral.
O artigo 5° remete ao MM. Ministério do Trabalho e Emprego a elaboração do modelo de acordo padrão para ser firmado entre empregado e empregador, o que, evidentemente, transforma o “acordo” em mera assinatura de documento que poderá ser adquirido em qualquer papelaria, sem a necessidade da essencial assistência sindical.
O artigo 6° remete ao Sistema Único de Saúde e aos Ministérios do Trabalho e Emprego e da Previdência Social o oferecimento dos serviços necessários para o cumprimento dos programas de segurança e medicina do trabalho ao empreendedor individual, à microempresa e à empresa de pequeno porte.
O artigo 7°, de modo unilateral e absurdo, anistia os empreendedores individuais, as microempresas e as empresas de pequeno porte da imposição de qualquer penalidade pecuniária ou administrativas, desde que formalizem, no prazo de um ano, os contratos de seus trabalhadores.
Tal disposição não contraria somente o princípio da isonomia, como objetiva fraudar o próprio fisco.
O artigo 8° isenta as empresas em comento do pagamento de salário maternidade, remetendo única e exclusivamente à previdência social, o que contraria disposições que estejam disciplinadas em Norma Coletiva.
O artigo 9° contraria frontalmente as disposições de higiene e segurança do trabalho, as disposições constitucionais de dignidade humana, de proteção ao obreiro e as disposições contidas na CLT, no artigo 71, permitindo a redução do limite de uma hora para repouso e refeição, através do nefasto “Acordo Individual”, objetivando, ainda, alterar o parágrafo terceiro em vigor, que disciplina que somente em empresas autorizadas pelo MM. Ministro do Trabalho, com refeitório adequado para seus trabalhadores e desde que não exerçam horas extras.
Verifica-se, pois, que não só impinge aos trabalhadores a redução, como altera o que já está disciplinado para os trabalhadores das demais empresas que não as mencionadas no projeto em questão.
Por outro lado, por incrível que possa parecer, o artigo 10, candidamente pretende alterar o § 1°, do artigo 477 Consolidado, permitindo que o trabalhador, por escrito, dispense a homologação da resilição contratual com mais de uma ano de serviço, seja perante o sindicato da respectiva categoria, seja perante o MM. Ministério do Trabalho e Emprego.
É público e notório, por exemplo, que qualquer trabalhador, quando contratado, assina a opção pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço sem que lhe seja esclarecido que a mesma trata-se exatamente de uma opção, o que evidnetnemente fará com que o trabalhador, quando contratado, já assine a dispensa da homologação, o que contraria os mais comezinhos princípios tutelares do direito do trabalho.
O artigo 11 assinala a responsabilidade ao MM. Ministério do Trabalho e Emprego, para criar um modelo simplificado do cadastro de empregados e desempregados, a ser preenchido pelo empregador individual, pelas microempresas e empresas de pequeno porte, criando um banco diferenciado de trabalhadores, o que, por si só, é totalmente inconstitucional ferindo o princípio da isonomia e criando uma “sub casta” entre os obreiros.
Verifica-se, desta forma, ser totalmente incabível o projeto apresentado, objetivando anular direitos conquistados após décadas e décadas de lutas sociais pela classe trabalhadora, razão pela qual, salvo melhor juízo, opinamos que sejam informadas as entidades sindicais para que divulguem o absurdo que pretende ser perpetrado contra os assalariados.
HÉLIO STEFANI GHERARDI
HÉLIO STEFANI GHERARDI
Consultor Jurídico
Hélio Stefani Gherardi é advogado sindical há mais de 38 anos, na qualidade de assessor de diretoria para vários sindicatos, federações, confederações e centrais de trabalhadores, sendo consultor técnico do DIAP desde a fundação há 28 anos, advogado militante, Pós-graduado em Direito Constitucional Processual na Unisantos, Mestrando em Direito do Trabalho na Unimes de Santos e Professor de Direito do Trabalho e de Direito Processual do Trabalho.